O Sítio
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sexta-feira, agosto 29, 2003  

Amarelo Manga - Cláudio Assis

O filme é do caralho!

Alguém, provavelmente o diretor, tentou de toda forma estragar esse filme. Colocou a si próprio pra sussurrar no ouvido de uma das personagens uma frase de efeito. Colocou uns voice-overs pseudo-filosóficos, como se fosse Deus falando com o padre. Colocou umas análises pseudo-sociológicas e umas poesias medíocres na boca de um bêbado no bar. Quis chocar esquartejando um boi. Chamou Jonas Bloch pra ser Issac. Colocou um figurante pra ler Nietzsche. Colocou rostos anônimos, cansados de guerra, olhando sérios para a câmera, ultimate cliché de clipes de bandas como Cidade Negra e O Rappa.

Falhou miseravelmente, felizmente. A força e a vida dos personagens, a simplicidade e verdade dos dramas conseguiram sair praticamente intactos do contato com essas pretensões forçadas e mancas. As atuações - diferentemente do que ouvi antes de ver o filme - estão competentíssimas em todos os protagonistas, à exceção do já citado Jonas Bloch. Mateus Nachtergaele está alucinante de tão bom. Leona Cavalli está banhada na claustrofobia do seu trabalho, no nojo dos clientes do seu bar, com explosões de fúria atordoantes. Lembrei até da Julianne Moore de uma certa cena numa certa farmácia. Dira Paes competente em sua fase crente e mais ainda na profana. Chico Diaz completamente crível num papel menor. Até alguns dos coadjuvantes chamando bastante atenção em ótimas atuações, como Conceição Camarotti e Magdale Alves.

O ritmo - cadenciado, tranquilo em princípio - escorregou na segunda metade do filme, enchendo linguiça com cenas de ruas, rios, pontes. Travou um bocado a história, fazendo-a andar um pouquinho para logo depois mostrar mais um clipe da Recife decadente ao som dos mangue-boys (ótima trilha sonora incidental, por sinal). A coisa era cortar toda a enrolação e se fixar nos personagens, na história, nas verdades e nas transformações.

Foi o que ficou no final. Uma história de dramas verdadeiros com personagens fortes. A poesia do cotidiano em belíssimos movimentos de câmera acompanhando personagens por cima das paredes, perseguindo personagens por aposentos. E o cara de Amarcord tocando acordeão no andar de baixo.

O filme é do caralho!

escrito por Chico Lacerda | 17:48 |
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