O Sítio
Aquele velho projeto de fazer um fãzine com os amigos...


quarta-feira, abril 16, 2003  

Elomar e Xangai – Teatro Santa Isabel, 12/04/03

Foi a primeira vez que eu fui ao Teatro Santa Isabel desde a época que eu ia ao Teatro Santa Isabel para ver o palhaço Chocolate e, como mandam as leis da memória, ele me pareceu bem menor. Não só isso, menor também comparado a outros teatros. Enquanto o Teatro Guararapes vai até a fileira 33, este deve ir até a 15, se muito. Não fosse o opulência barroca, pareceria um auditório de colégio num show de amigos. E essa aproximação com os artistas teve efeito bastante positivo na apresentação.

ElomarSeu início deu logo o tom que se seguiria nas quase duas horas de duração: antes da primeira canção, Elomar saudou o público e iniciou uma conversa descompromissada contando causos e opinando sobre os mais diferentes temas sempre de forma bem humorada: “Na minha opinião,” e fazia sempre questão de frisar que era a sua opinião, “a bossa nova teve a mesma importância da Semana de Arte Moderna de 22... colocou tudo quanto é gente desafinada pra cantar. Depois da bossa nova era bonito desafinar, nunca vi disso. Tudo quanto era quadro feio virou obra de arte, umas poesia de dá de comê a rato, nunca vi disso...” comentava rindo, mas deixando transparecer um desencanto por tudo que não fosse clássico, pelo mundo moderno. Estes dedos de prosa, apesar do conservadorismo das opiniões - equilibradas pela inteligência e descontração com que eram expostas - deram um ritmo tranquilo ao show, que refletiu também a natureza das canções.

A estas conversas muitas vezes se seguiam descrições da temática/enredo da música que viria a seguir, dado o grande número de árias de óperas executadas, praticamente metade do total de execuções. Numa delas, por exemplo, Elomar explica que ela trata de um casamento numa fazenda do sertão, aquela festa toda e a noiva atrasada, todos apreensivos. Chega então não a noiva, mas uma carta explicando a falta da noiva. Longe de esgotar o tema, a explicação cria uma base de comparação e surpresa, uma vez que não contém a poesia da letra nem a força da composição, onde primeiro é descrita a festa, danças, comidas, bebidas; em seguida a apreensão do noivo, que finalmente vê ao longe a noiva se aproximando. Mas não é a noiva, e sim uma criada carregando uma carta. É quando percebem que ninguém ali sabe ler e mandam chamar a professora da cidade para a tarefa. A música termina abruptamente, em meio ao desalento do noivo e dos presentes - mesmo sem saberem o conteúdo da carta – e acordes tristes do violão e da flauta, enquanto alguém vai chamar a professora.

XangaiElomar e Xangai cantaram e tocaram violão, algumas vezes revezando-se sozinhos no palco, algumas vezes em dupla e algumas vezes acompanhados de violonista (filho de Elomar, também maestro), violoncelista e flautista, o mínimo ao qual Elomar conseguiu reduzir a orquestra para a qual muitas de suas árias foram compostas.

O show começou com canções populares que logo deram lugar às árias, muitas apenas instrumentais, o que deu ao miolo da apresentação - com quatro árias seguidas - uma certa monotonia admitida pelo próprio Elomar, que ameaçava zombeteiro executar mais uma. Foram executadas apenas composições de Elomar, à exceção de uma canção de Marcelo Melo, do Quinteto Violado, executada com a ajuda do próprio, e que também se destacou do resto pela sua mediocridade. Numa melodia pobre e repetitiva, ele entoava símbolos do sertão sem qualquer ordem ou objetivo perceptíveis. Mais para o fim o grupo retomou a veia cancioneira e, no bis, executou a única música mais conhecida de todo o show, Cantiga de Amigo, que faz parte do volume dois da série Cantoria, quando então Xangai pediu que todos cantassem juntos ao que Elomar replicou: “Só quem souber, né Xangai?”.

Ao final ficou perceptível a falta de planejamento da apresentação: muitas das músicas a serem tocadas eram escolhidas na hora (João Omar, filho de Elomar, lembrou-se, no ato de apresentar o solo que iria tocar, que ainda não havia escolhido qual seria), o que acarretou uma falta de uniformidade na distribuição das canções: o último bis, por exemplo, não deveria ter sido mais uma ária. Mas esse detalhe foi ofuscado pelos não poucos pontos positivos, como a força das composições, sempre agregando beleza, tristeza, nostalgia e delicadeza com maestria, o grande talento dos músicos assim como das vozes, em especial a de Xangai, com um alcance surpreendente (embora eu prefira a forma mais grave e contida de cantar de Elomar) e a empatia do grupo, principalmente de Elomar, com o público.

escrito por Chico Lacerda | 22:03 |
 

Muito barulho por nada
(Longwave – The Strangest Things, 2003)


O problema mais comum em críticos de música é que muitas vezes eles querem aparecer mais do que quem está tendo seu trabalho avaliado. Assim, alguns críticos aproveitam que não gostaram de um disco para demonstrar seu senso de humor apurado e seu potencial de sarcasmo e ironia, enquanto outros parecem não ter critérios para eleger seus álbuns da hora.

Pior para as bandas, que acabam se tornando matéria-prima para a vaidade jornalística alheia. No caso do Longwave, a banda foi duplamente prejudicada. Enquanto algumas publicações, como o CMJ, apontaram o disco como um dos grandes lançamentos de 2003, outras arrasaram a banda (o Pitchfork deu nota 3.7).

E afinal, em quem confiar? Eu discordo dos dois.

“The Strangest Things” está longe de ser um álbum memorável. Ele tem problemas seríssimos, como as letras pseudoprofundas do líder Steve Schiltz, e algumas músicas chatas, como o arremedo de “Climbing Up The Walls” intitulado “Meet Me At The Bottom”, e a enfadonha balada “I Know It’s Coming Someday”. A produção de Dave Fridmann (Mercury Rev, Flaming Lips) também não ajuda muito, deixando os vocais muito em primeiro plano, o que dá a impressão de que os instrumentos são só de figuração.

Só que o disco não é só defeito. “Everywhere You Turn” tem um dos refrões mais empolgantes que ouvi esse ano, chega a lembrar o U2 na época do Unforgettable Fire. “Tidal Wave” também é daquelas que dá vontade de acelerar quando chega no ápice, me veio à cabeça o Kent na época do Isola. O guitarrista Shannon Ferguson até que faz umas texturas interessantes, pena que as vezes seu trabalho sirva só de pano-de-fundo.

E qualquer comparação com o Strokes é brincadeira de mau gosto. O som da banda está mais para o rock dos anos 80 e 90, com nítidos ecos de U2, Radiohead, New Order (principalmente nas linhas de baixo) e Slowdive. Só que nenhuma banda pode sair de Nova York sem passar por alguma comparação desse tipo, e no caso do Longwave isso se agrava ainda mais, já que as duas bandas tocaram juntas em turnê.

O Longwave simplesmente não merece tanto barulho em seu nome. É uma banda regular, e que provavelmente só ganhou repercussão devido à troca de facadas entre os críticos. Ou seja, pouco se falou do som da banda. E quase não há o que se falar.

Nota: 6

escrito por Haymone Neto | 14:20 |
 

Belchior e Banda Som da Terra - Teatro Guararapes, 29/03/03

Belchior e banda Som da Terra: era o que se lia nos panfletos e no ingresso. Cheguei no Teatro Guararapes pouco antes das 21 h e, ao contrário do que eu pensava, Som da Terra não era a banda que acompanhava o cantor, mas sim a banda de abertura. Ela tinha anteriormente se apresentado em festivais de world music (com o perdão do termo) Europa afora. E deveria ter continuado por lá: fez, no show, um interminável passeio pelo Brasil, tocando músicas representativas de cada estado ou cidade (Aquarela do Brasil para o Rio; o xaxado Sebastiana para a Paraíba etc.) em arranjos os mais manjados possíveis e acompanhados de dançarinos para executar as danças relativas aos ritmos apresentados. Nem a enrolada de mais de meia hora que eu dei na lanchonete do teatro - picolé, chocolate, água – pareceu encurtar o show.

Enfim a banda se retirou, assim como foram retirados os instrumentos do palco e colocadas duas cadeiras. Achei que montariam algum cenário ou, no máximo, retirariam as sobras do show anterior (plataformas da bateria e das percussões), mas o cenário era aquele mesmo, meio decadente pós-guerra, blocos de madeira do show anterior espalhados a esmo e duas cadeiras na frente.

Já não gostei ao constatar que o show seria acústico, Belchior e seu violão numa cadeira e um violonista virtuoso na outra. Estava esperando arranjos mais fiéis aos originais, mas me contentei em ouvir as músicas em novas versões. Não se deve, afinal de contas, cobrar de um artista a imutabilidade. Logo de início Belchior atacou com um solo de violão cheio de firulas e pra-que-issos, fazendo caretas, se balançando dum lado pro outro e dando chutinhos no ar, já me deixando temeroso. Não que eu não aprecie coisas do tipo, esses virtuosismos, mas não achava que ficaria bem nas músicas dele, e realmente não ficou. Mas o que me deixou irritado não foi nem isso. Eu paguei caro (mentira, os ingressos foram ganhos numa promoção) pra ver Belchior cantando, e ele não cantava nem um terço das músicas: “eu sou apenas um rapaz... latino americano sem-VOCÊS!” e o público continuava em uníssono, até que ele resolvia retomar as rédeas da música, entoava mais dois versos e novamente passava a voz para o público.

O projeto que trouxe Belchior pra cá (e Guilherme Arantes na semana seguinte e Gal Costa em algum fim de semana do próximo mês) se chama Projeto + MPB e tem com objetivo, de acordo com o panfleto, mostrar os clássicos da MPB para as novas gerações. Acho que essa nova geração se sentiria no mínimo constrangida ao sentar-se muda e ignorante no teatro enquanto a velha entoa feliz e saudosa os clássicos do artista clássico da MPB que o projeto trouxe.

Esse padrão foi seguido nas quatro músicas seguintes, me deixando cada vez mais irritado. Eu conhecia uma ou outra, mas eu queria era ouvir e me emocionar com Belchior cantando lá no palco, não com o povo desafinado à minha volta. A gota d’água veio na sexta música, quando além das vozes, o artista solicitou também as palmas do público. Se tem uma coisa que eu odeio mais do que gente atrapalhando o show cantando junto é gente (des)acompanhado a música com palmas. Virei pra Saulo, que tinha me acompanhado na mal-fadada incursão e ele concordou com a deserção. Ainda deu tempo de devolver na locadora os filmes que eu tinha esquecido no carro.

escrito por Chico Lacerda | 02:41 |
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